segunda-feira, 13 de abril de 2015

Segunda Vindima de Altitude e o futuro da Serra Catarinense


Segunda festa da Vindima de Altitude e lá fui eu novamente pegar a estrada em direção a Serra Catarinense, este ano com a promessa de não apenas provar bons vinhos, mas saborear pratos típicos preparados especialmente para o evento e desfrutar de atividades culturais, como a apresentação do Ballet Bolshoi. Valeu a pena!
Muita gente brinca comigo: “trabalho difícil o seu!” Realmente é um grande prazer e um privilégio viajar por regiões vinícolas, visitar produtores, ver de perto o trabalho de produção e provar vinhos, além de  poder contemplar as incríveis paisagens onde elas estão inseridas. Mas nem tudo é só prazer.  Quando se trata de Brasil há grandes desafios para toda a cadeia do vinho, da produção a comercialização, sobretudo para uma região nova como a Serra Catarinense. É imenso o desafio de produzir com qualidade e ser competitivo num país com carga tributária e custos tão elevados. Tão grande quanto é o desafio de se fazer conhecido e conquistar consumidores cada vez mais exigentes, tendo ainda que vencer as duras barreiras do preconceito ao vinho brasileiro.





Foto: Acavitis

Para essa gente empreendedora de Santa Catarina os desafios são motivação e foi a partir deles que nasceu o evento da Vindima de Altitude. Ao mesmo tempo em que é celebração do momento tão esperado da colheita e dos bons vinhos produzidos já há 15 anos, é também ação mobilizadora para buscar recursos e apoio junto aos governos municipal e estadual para desenvolver o enoturismo na região. Qualidade os vinhos já tem. A natureza e o clima são convidativos. A culinária local é rica e saborosa. O povo é alegre e hospitaleiro. Então o que falta agora é infra-estrutura adequada para receber os turistas e oferecer uma experiência completa e prazerosa do vinho em sua origem.
Em todos os países produtores o enoturismo alavanca a economia de suas regiões, gera recursos e promove o desenvolvimento de todo tipo de negócio, vinícolas, restaurantes, hotéis, arte e artesanato, e pontos turísticos locais. É isso que São Joaquim quer e precisa hoje, assim como os demais municípios produtores. A economia da cidade gira em torno da produção da maçã, mas irá se beneficiar do crescimento promovido com recursos  gerados pela produção do vinho. O turismo é forte apenas nos meses do inverno por conta do frio intenso e da neve, então explorar melhor tantos recursos e belezas naturais da região será um atrativo convite para os turistas durante todo o ano para provar culinária e vinhos regionais, e praticar atividades ao ar livre como cavalgadas, trilhas para caminhadas e de bicicleta, tirolesas ou a simples contemplação das paisagens incríveis de seus vales, montanhas e canions, que fazem cair o queixo. Sem esquecer das Araucárias, que eu amo tanto!

Morro da Igreja em pleno inverno


Tão grandes quanto todos os desafios são também as certezas que se reforçam cada vez que vivencio o vinho brasileiro assim tão de perto. Certezas que me fazem continuar afirmando:  vinho brasileiro é bom sim! E quem visitar a Serra Catarinense pode comprovar o que eu digo: lugar com clima e solo que as uvas adoram; produtores apaixonados e comprometidos com seus propósitos de produzir o melhor que essa terra pode dar; vinhos que surpreendem na taça, com toda a qualidade que se espera deles e que guardam o estilo que vem do frio.
Hospitalidade, generosidade e paixão são características comuns a todo produtor e não é diferente por lá. Então para os produtores serranos celebrar a festa da Vindima é um momento muito especial para receber os visitantes, fazer conhecer o seu bom trabalho e encher, com muito orgulho, suas taças do bom vinho que produzem.

Acari Amorim, produtor da Quinta da Neve, presidente da Acavitis e grande anfitrião desta festa bonita

O mercado é quase sempre apressado, não tem o mesmo tempo e paciência do vinho, e quer logo saber: qual o melhor vinho de Santa Catarina? É cedo ainda para dar um veredito, tudo é muito novo por lá, 15 anos é uma infância para o vinho! Porém já há alguns indícios do que está se dando bem por lá. As variedades brancas adoram o clima frio da região. Sauvignon Blanc já se consagrou como um dos grandes destaques e que tem mesmo qualidade e tipicidade incríveis. Os Chardonnay também são do mais alto nível. E vem brancos interessantes pela frente. Provei um Garganega da Leone di Venezia, um dos mais novos projetos de São Joaquim, que em breve chegará ao mercado, e que posso garantir: vai surpreender!
Atentas ao mercado, que tem dado cada vez mais espaço aos espumantes e roses, as vinícolas catarinenses investiram e capricharam na produção destes produtos. E está dando certo, a boa aceitação dos consumidores e o aumento das vendas vem estimulando o lançamento de novidades.  Gostei muito do Sublime, rose da vinícola Monte Agudo. Gostoso, frutado e fresco, traz um trabalho original e bonito de design na garrafa e no rótulo.



O mundo dos tintos ainda está se definindo. Os primeiros projetos apostaram em Cabernet Sauvignon e Merlot, por sua versatilidade de adaptação e por serem preferência entre consumidores, mas talvez não sejam estas as uvas que farão os grandes vinhos de altitude. Alguns produtores conseguiram bons exemplares varietais, como o elegante Hiragami Cabernet Sauvignon, produzido com toda a precisão japonesa. Melhor que em varietais, os cortes destas uvas tem se mostrado um bom caminho. Um dos que vem apresentando excelente qualidade e consistência é o Inominnabile, da Villagio Grando, um corte de uvas e safras, já em seu quarto lote. O Leopoldo, da vinícola Santo Emílio, é um dos cortes que faz bastante sucesso, assim como os já consagrados Francesco, Michelli e VF Tinto, todos da Villa Francioni.
Na contramão de muitos que não acreditam que é possível o cultivo orgânico na região, a Santa Augusta apostou num elegante corte bordalês de Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot, com uvas de vinhedos em Água Doce cultivados em sistema biodinâmico, e acertou em cheio! A vinícola está reconvertendo ainda os vinhedos de Videira e logo teremos brancos e espumantes biodinâmicos também.

Imortali, o biodinâmico da Santa Augusta

Há boas apostas em outras variedades como a Pinot Noir, que a vinícola Quinta da Neve já se tornou referência, e algumas castas portuguesas, como a Touriga Nacional. Mas das minhas andanças, papos e provas pela região ouso dizer que as castas italianas vão surpreender e abrir caminhos bem promissores para os vinhos de altitude, com a Sangiovese encabeçando a lista. Algumas vinícolas vão lançar seus primeiros varietais ainda este ano e uma das minhas grandes expectativas é para o excelente Sangiovese da Leone di Venezia, um projeto que tem a Itália como fonte de inspiração, desde a implantação das variedades, em sua maioria autóctones italianas, até a construção da vinícola, inspirada em palácios venezianos. E não poderia ser diferente, seu produtor, Saul Paulo Bianco, é de origem italiana.
A boa fama da Sangiovese inclusive desceu a serra e foi bater na porta da nossa querida Lizete Vicari, do Domínio Vicari lá da Praia do Rosa, que em 2014 fez com uvas de cultivo orgânico em Urubici, vizinha de São Joaquim, um Sangiovese delicioso, a moda natural!

Leone di Venezia, o leão alado de São Marcos, que dá nome e é símbolo da vinícola

E foi na fria Urubici, 60 km de São Joquim, que eu descobri, escondido em uma paisagem incrível, um daqueles pequenos produtores brasileiros que eu adoro garimpar! Zeca Marques é um descendente de espanhol que criou a Casa Cervantes, onde hoje produz dois vinhos: o Altitude 1100 e o Curucaca, cortes de Cabernet Sauvignon e Merlot. No primeiro entra a Montepulciano e no segundo a Sangiovese (olha ela aí de novo!). Ambos elaborados sem madeira, com pouca intervenção e muito bons de beber!
Ele produziu também um espumante, corte de Pinot Noir, Merlot e Sangiovese. Ainda não provei, mas segundo o próprio Zeca, ele mesmo se surpreendeu com o espumante tão bom que produziu, a altura dos bons Champagne.


Acredito que esta nova região do vinho brasileiro, tão diversa e singular, ainda não explorou todas as suas possibilidades, que podem gerar algo maior e melhor do que já foi feito até então. Mas para isso talvez seja preciso apostar menos em padrões de mercado para ousar mais, experimentar variedades e estilos novos de vinhos para deixar falar a vocação e a identidade deste lugar. As castas italianas já estão se mostrando uma boa aposta e há também quem já esteja enxergando outras possibilidades, como a vinícola Pericó, que em 2009 produziu o primeiro ice wine, ou vinho do gelo. Nesta que é a região mais fria do Brasil as temperaturas já chegaram a atingir a casa dos 10 graus negativos, condição ideal para que as uvas, que já amadurecem mais tardiamente, congelem nas vinhas e seja possível produzir este tipo de vinho naturalmente. Ou também como fez a Villa Francioni ao produzir um vinho de sobremesa botritizado quando detectaram vinhedos atacados pela podridão nobre, a Botritys Cinerea, que só acontece em alguns lugares do mundo e em raras condições climáticas. Foi apenas uma safra de cada vinho e nada ainda consistente, afinal é a natureza quem decide quando será possível fazê-los novamente. Mas estas experiências mostram que um olhar para novas possibilidades poderá gerar vinhos que se diferenciem e surpreendam os consumidores. 



Então ao invés de respostas quanto ao melhor vinho da região, fica a pergunta: o que vem pela frente? Quem sabe nas próximas edições da Vindima de Altitude poderemos ser surpreendidos com algumas destas boas respostas.


Um comentário:

Unknown disse...

Você esqueceu de comentar do Dona Enny um Sauvignon Blanc que passa por barricas de carvalho, fabricado pela Villagigio Bassetti que é sensacional.

Amauri