quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Goethe, a uva com nome de escritor

"Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor."
Goethe
É neste pensamento do escritor e pensador alemão Johann Wolfgang von Goethe, ou simplesmente Goethe, que eu me inspiro quando vou atrás dos meus sonhos e projetos. E talvez também tenha sido esta a inspiração que motivou o horticulturista norte-americano Edward Staniford Rogers a dar o nome Goethe à uma uva branca que desenvolveu em 1851, em Massachusetts, nos Estados Unidos.


O objetivo desta experiência feita por Rogers foi combinar a rusticidade e resistência das videiras americanas (vitis labrusca) com a riqueza de aromas e sabores das européias (vitis vinífera). A bem sucedida experiência gerou 45 híbridas, que passaram a ser conhecidas como “híbridos de Rogers”. À híbrida número 1 Rogers deu o nome de Goethe em homenagem ao escritor alemão. Imagino que Goethe adoraria tomar uma taça deste vinho enquanto se inspirava para escrever seus pensamentos, como um dos que mostra sua afinidade com a bebida: "A juventude é a embriaguez sem vinho."


Os vinhos produzidos com a uva Goethe tem características olfativas e gustativas dos Moscatos, certamente herdadas dos 87,5% da vinífera Moscato de Hamburgo em sua composição, combinada a 12,5% da labrusca Carter. Foi considerada a uva com mais características de vinífera de todas as híbridas criadas por Rogers e gera vinhos leves, frescos, aromáticos e muito agradáveis.





Uvas híbridas tem sido desenvolvidas pelo mundo nas últimas décadas em países como a Alemanha e a França. A busca é por variedades que sejam mais resistentes às mudanças climáticas que já estão afetando áreas tradicionais de produção de uva e vinho, como também que promovam maior sustentabilidade, diminuindo o uso de agrotóxicos e pesticidas. Na Alemanha, por exemplo, a Regent é uma híbrida bem sucedida e já em produção.



No Brasil a trajetória da Goethe começa com o imigrante italiano Benedito Marengo. Encarregado dos viveiros de um fazendeiro em São Paulo, foi o responsável pela introdução, ainda no século XIX, de diversas variedades de uvas no Brasil, entre elas a Goethe. Outro italiano, o Sr. Giuseppe Caruso MacDonald, era regente do Consulado da Itália e trabalhava em São Paulo. Tempos depois foi designado para acompanhar as colônias de imigrantes italianos que se estabeleceram em Santa Catarina a partir de 1877. A região era a do Vale do Rio Carvão, que hoje compreende as cidades de Azambuja, Urussanga, Pedras Grandes, Nova Veneza, Morro da Fumaça e Içara. Essa área está localizada entre o litoral e o início das elevações da Serra Geral, coberta pela vegetação nativa da Mata Atlântica e a uma altitude de 50 metros.



O Sr. Caruso se estabeleceu em Urussanga, onde escrevia um jornal chamado La Pátria, que circulava entre os colonos e onde ele dava orientações sobre o plantio de uva na região. Sua relação com Marengo em São Paulo o fez tomar contato com a uva Goethe, que ele acabou por levar para a região e distribuir aos colonos que, como no Rio Grande do Sul, já produziam vinho para o próprio consumo desde sua chegada.
Outras variedades também foram implantadas na região para identificar as que melhor se adaptavam às condições do clima e do solo. Além de sua perfeita adaptação, a Goehte foi escolhida como a uva da região por ser a variedade cujos vinhos mais se assemelhavam aqueles que os italianos costumavam beber quando viviam ainda na Itália. Talvez para eles foi como se sentir em casa novamente, voltando a sentir o prazer daquilo que para eles era tão familiar, o vinho!




A partir daí muitas vinícolas se estabeleceram e prosperaram por lá. O auge dos vinhos Goethe se deu entre as décadas de 30 e 50, quando conquistaram reconhecimento e receberam premiações em exposições pelo Brasil e também nos USA, e  eram comercializados para todo o país, tornando-se um importante produto comercial para a região. Urussanga passou então a ser considerada a capital catarinense do vinho. Os moradores se sentiam orgulhosos, sobretudo porque os vinhos Goethe conquistaram o paladar do presidente Getúlio Vargas, sendo escolhido por ele para as recepções do Palácio do Catete durante seu governo. A importância da produção era tanta que, através do Ministério da Agricultura, o presidente Vargas decidiu apoiar a vitivinicultura na região, fundando o Instituto de Fermentação para estimular a pesquisa com diferentes espécies de uvas viníferas. Em 1950 passou a ser chamado de Subestação de Enologia de Urussanga. No auge dos trabalhos do Instituto foram feitos experimentos com cerca de 450 variedades de videiras. 

Além de gostar de vinhos, o charuto era  companheiro inseparável de Getulio Vargas
Ao mesmo tempo em que os imigrantes italianos descobriam o potencial da região como produtora de uva e vinho, também se revelou sua riqueza em carvão mineral. Já no início do século XX começou a exploração das jazidas, que logo atraiu profissionais e empresas de outras regiões do país. Para a população local o trabalho na indústria do carvão representou uma atividade melhor remunerada, fazendo migrar a mão de obra das vinícolas para a indústria, iniciando-se um período de declínio da atividade agrícola e ascenção do carvão. Em seguida veio a Segunda Guerra Mundial que, no Brasil, cerceou todas as manifestações culturais dos italianos, inclusive a produção de vinho, com a justificativa de que representavam um perigo de alinhamento com as ideologias nazi-fascistas. Mais uma vez o Brasil viu uma promissora atividade vitivinícola ser interrompida.



Apesar de todos os obstáculos, a produção dos vinhos de uva Goethe resistiu e teve sua reviravolta a partir das décadas de 70 e 80, quando em várias outras regiões do Brasil se iniciaram movimentos de resgate das referências de identidade do passado e de valorização da experiência dos ancestrais imigrantes. Os primeiros movimentos começaram com comemorações pelo centenário da imigração italiana e da fundação de Urussanga. A partir daí empresários da região organizaram um trabalho de incentivo ao resgate da produção vitivinícola. Na década de 80 produtores e Prefeitura Municipal instituiram a Festa do Vinho, festividade que acontece até hoje a cada dois anos. Alguns anos depois outra festa foi incluída no calendário da cidade, sempre nos anos ímpares, a festa Ritorno Alle Origini. Também na década de 80 se iniciaram as negociações para o Gemelaggio, um intercâmbio entre os imigrantes da região e os italianos da cidade de Longarone. Esta parceria foi importante para a comunidade voltar no tempo, seguindo pelos caminhos da saga de suas famílias, com todas as suas dificuldades e trabalho, o que contribuiu para a valorização da cultura local. 
Na década de 1990 os experimentos com as uvas foram retomados na antiga Subestação de Enologia, que passou a ser chamada Estação Experimental de Urussanga, dirigida pela Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina) e contando com uma unidade didática de produção de vinhos e diversos cursos de capacitação para produtores.




Em 2005 se iniciou um dos mais importantes projetos para o definitivo reconhecimento da região, o do Vales da Uva e do Vinho Goethe. Produtores da região criaram uma Associação, a ProGoethe, que com apoio de Sebrae, Epagri e Universidade Federal de SC foram buscar o Selo de Indicação de Procedência para seus vinhos.
A tipicidade dos vinhos, produzidos em uma região delimitada, com fortes significados histórico-culturais e estreitas relações com o meio rural e com sua população foram fatores suficientes para que, em novembro de 2011, o INPI concedesse o Selo de Indicação de Procedência Vales da Uva Goethe. Além disso, a Goethe desta região sofreu uma mutação natural, gerando um clone de características distintas, que foi batizada de Goethe Primo e possibilitou elaborar vinhos brancos que se tornaram típicos da região.
Esta conquista deu um grande impulso a produção. Os produtores passaram a entender que para seus vinhos receberem o Selo, não era suficiente que o vinho fosse feito da uva Goethe, mas que tivesse tipicidade e qualidade. Para isso foram buscar capacitação profissional e recursos técnicos para melhorar a qualidade.
A população passou a sentir orgulho desta conquista e a buscar os vinhos que ostentassem o Selo por reconhecerem que eram estes os vinhos de melhor qualidade, estimulando ainda mais os produtores a aprimorarem seus produtos. 
A fama do vinho Goethe se espalhou para além dos limites da cidade e pessoas de outras regiões começaram a chegar para visitar e provar os vinhos, trazendo para a região uma nova e promissora atividade, o enoturismo. 
A região conhecida tradicionalmente como o Vale do Rio Carvão hoje ostenta o nome mais poético de Vales da Uva e do Vinho Goethe. 

 


Orgulho é mesmo o que a gente sente quando visita este lugar. As vinícolas e pequenos produtores até elaboram vinhos de outras variedades, mas o Goethe é a menina dos olhos de todos! Os restaurantes oferecem várias rótulos e os preços são muito convidativos. A população conhece e consome seu próprio vinho porque há um forte sentido de valor por este produto local, que se vê em poucos lugares do Brasil. 

Matheus Damian, a quarta geração da família a frente da vinícola Casa Del Nono

Você deve estar se perguntando como nunca ouviu falar desta uva e porque nunca viu um vinho deste pelo mercado. Primeiro porque é um produto típico da cultura da região, de produção pequena e consumo local. Segundo que por se tratar de uma uva com uma variedade americana em sua composição, mesmo em menor proporção, faz com que, pela legislação, seus vinhos sejam considerados de mesa e não como finos. E todos sabemos quanto preconceito existe no Brasil quanto aos vinhos de mesa!
Uma grande injustiça por sinal, pois sua bela cor, aromas e sabores deliciosos o fazem sim merecer um lugar em meio aos bons vinhos finos.
E terceiro porque a concessão da IP e o salto de qualidade da produção são recentes, permitindo que agora o vinho Goethe possa se apresentar em grande estilo para o mercado



Alguns dos vinhos dos 13 produtores associados da Progoethe

Sabe aquelas pequenas cidades européias que a gente visita e se encanta com seus vinhos locais, encontrados facilmente nos restaurantes, mercados e lojas, que a gente bebe sem nenhuma cerimônia e que paga por eles preços super camaradas?
Então, é isso que você vai encontrar em Urussanga e nos vinhos Goethe! É a mesma coisa, só que é no Brasil e com uma variedade de uva diferente, única e que é brasileira por excelência!
Então abra seu coração e sua cabeça, deixe de lado o preconceito e o apego aos padrões, e viva esta nova experiência!



4 comentários:

Unknown disse...

Oi Sonia. Gostaria de comprar alguns vinhos de vc. Pode me ligar? 11-991622654
Dra Lia

Giovanna De Pellegrin disse...

boa tarde Sonia, tudo bem?
Ficou super bacanaa esse post. Teremos muito a conversar. Esperamos você em Urussanga.
Nos vemos na "POUSADA VALE DOS FIGOS"
arriverci,

Giovanna De Pellegrin

Isabel disse...

Fiquei curiosa e apreciaria fazer uma degustação desse vinho.
Parabéns pela divulgação pois não conhecia e isso é importante e fundamental.
Pode passar informações sobre marcas, tempo de guarda ou envelhecimento
Preço e forma de adquirir alguns exemplares?

Unknown disse...

Tenho formação como Sommelier e Juiz Internacional de Classificação de Vinhos, convênio entre FISAR (Piemonte/Toscana-Italia) e UCS/RS, Escola de Gastronomia.
Pretendo, comercialmente,trabalhar com Vinicolas-Boutique, de preferência com vinhos "medalhados".
Resíduo em Floripa.