segunda-feira, 8 de abril de 2013

Primeira parada: uma surpresa em Florianópolis

A primeira parada nesta jornada ao sul do Brasil logo causa surpresa: uma vinícola de garagem em Florianópolis, projeto do jovem empresário Rogério Gomes, um criativo desenvolvedor de softwares.
Há alguns anos atrás este simpático catarinense jantava com um amigo em São Paulo quando foi apresentado pela primeira vez a um vinho tinto fino. Num primeiro momento o Rogério estranhou aquele vinho tão seco e diferente, mas logo seu amigo explicou que se tratava de uma bebida de alta qualidade, descrevendo seus processos de produção e características.
Rogério logo foi arrebatado pelo vinho e prometeu a seu amigo que ia aprender tudo sobre o assunto e que um dia iria saber mais do que ele. A promessa foi levada a sério. Obstinado e autodidata, este catarinense descendente de portugueses não só se apaixonou por este universo, como mergulhou fundo na busca pelo conhecimento do vinho para produzir o seu próprio.



O aprendizado começou em 2007. Cursos, viagens e até mesmo uma primeira experiência com produção de vinhos: 10kg de uvas Isabel esmagadas com as mãos e fermentadas em um balde com fermento de pão que, é claro, não deu certo, mas que acabou lhe ensinando as primeiras lições.
Em 2008 uma segunda tentativa com 120 kg de Cabernet Sauvignon e Merlot da Serra Gaúcha, dentro de seu próprio apartamento, foi mais bem sucedida. Tanto que o vinho mereceu  um nome, Pitanga, por apresentar aromas intensos desta frutinha saborosa. Animado com este primeiro resultado partiu para o planejamento da próxima safra.
Competitivo e perfeccionista, em 2009 se propôs ao desafio de produzir um vinho reconhecido pela qualidade. Para isso escolheu a dedo uvas de dois produtores de São Joaquim, na serra catarinense, associados da Acavitis - Associação Catarinense de Produtores de Vinhos Finos de Altitudo. Desta safra, uma das melhores, produziu um Sauvignon Blanc e um Cabernet Sauvignon. Parte deste vinho foi engarrafado especialmente para seu casamento em dezembro de 2009, primeira aparição pública da Quinta da Figueira.
O nome da vinícola surgiu de uma conversa com sua então noiva. A palavra Quinta já era uma ideia fixa para ele, inspirada em sua origem portuguesa. A centenária figueira da Praça XV de Novembro, no centro de Florianópolis, foi sugestão de sua noiva para fechar a escolha do nome. Estava criada então a Quinta da Figueira, primeira vinícola de garagem desse lugar tão especial.



2010 foi o ano para investir forte no projeto com a compra de equipamentos apropriados, que permitiu processar 2.100 kg de uva. 2011 foi um ano importante, com aumento da produção para 2.500 kg de uvas e o engarrafamento do primeiro vinho pensado para comercialização: 520 garrafas do Reserva Perpétua Lote I.
Este vinho nasceu da vontade e da ousadia de elaborar um vinho que Rogério chama de multi-camadas de aromas, muito apreciado por ele. Estas múltiplas camadas são obtidas através do corte de vinhos de uvas e safras diferentes, com a safra do ano combinada com a reserva do ano anterior. O estilo criou o nome: Reserva Perpétua. O primeiro Lote foi feito com Cabernet Sauvignon da safra 2009, amadurecido por 14 meses em barricas francesas, e o Merlot 2010 com passagem por barrica americana nova. 
Este estilo de vinho representa bem a personalidade multi-facetada do Rogério, inventor e cientista, perfeccionista e apaixonado, auto-didata e obstinado em suas pesquisas, que o fizeram iniciar em 2011 o curso de Winemaking na UC-Davis, que ele está cursando a distância.

Ao Reserva Perpétua somam-se hoje mais quatro vinhos oferecidos hoje pela Quinta da Figueira. Os tintos Ponte Velha, um clássico e elegante corte bordalês de Cabernet Sauvignon e Merlot; Miramar, inspirado nos supertoscanos com um assemblage de Sangiovese, Cabernet Sauvignon e Merlot, e o Istepô, um delicioso Merlot natural vinificado com leveduras indígenas e sem adição de sulfitos. O único branco é um 100% Chardonnay, o Garapuvú, com parte das uvas fermentada com as cascas, que lhe deu estrutura e um agradável toque de amêndoas.

Um traço que chama atenção neste projeto do Rogério é que ele valoriza a cultura local na hora de escolher os nomes e criar os rótulo de seus vinhos. A Figueira centenária da praça figura em todos os rótulos. Expressões, lugares e nomes locais batizam os vinhos. Istepô, por exemplo, é um cumprimento local entre os "Manezinhos da Ilha", os nativos de Florianópolis. 



Todos estes vinhos refletem a paixão que arrebatou este catarinense naqueles primeiros tempos, que ele conta sentindo ainda a mesma emoção: "O primeiro contato com a uva de verdade é algo bem especial, o cheiro da uva, o formato, a cor, tudo é muito belo. Lembro-me como se fosse hoje, aliás, todos os anos, com a aproximação da vindima, nos dá uma ansiedade enorme, que só termina com a chegada das uvas, quando novamente sentimos o cheiro da uva. Como é mágico ver um mosto em fermentação com aquele cheiro único no ar!"

É mágico também provar estes vinhos e ouvir o produtor contar orgulhoso sobre seu trabalho e sobre seu sonho de construir uma vinícola e um complexo enogastronômico ao lado de videiras de alguma uva autóctone proveniente dos Açores, tudo isso em Ratones, dentro da ilha de Santa Catarina.
Sonhos que certamente se tornarão realidade pelas mãos deste ousado empreendedor.

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